sábado, 31 de maio de 2014

O vizinho no divã.

– Bom dia! Pode entrar.
– Obrigado. Bom dia para o senhor também.
– Sente-se.
– Ué? Não seria deitar?
– Não! Isto é pouco usado nos dias de hoje, mas fique a vontade. É a primeira vez?
– Aqui, sim.
– Não – risos – isto eu sei. É a primeira vez que faz análise?
– Ah! Faço isto todo o dia.
– Como assim?
– Sou analista de sistemas.
– Não! Análise com psicanalista.
– Ah sim! Primeira vez.
– Como está se sentindo?
– Mal, né?  Caso contrário não estaria aqui gastando R$ 200,00 por 50 minutos.
– OK! Qual o seu problema? O que o traz aqui?
– Minha vizinha.
– O que tem ela?
– Ela se acha uma boba.
– E?
– Não a acho uma boba.
– O que então?
– Não sei. O psicanalista é o senhor.
– Mas eu não a conheço.
– Devia.
– Por quê?
– Ela é doce, inteligente, tem charme e é bonita, mas isto é um detalhe.
– A beleza?
– Sim.
– Por quê?
– Porque sua beleza interior é a melhor qualidade.
– Mas isto não é motivo para trazê-lo aqui , é?
– É! Ela está sempre distante.
– Vocês não se veem, não conversam?
– Depende. Tem vezes que nos vemos bastante, mas já ficamos quase duas semanas sem nos ver. Falamos ao telefone e no Chat. Neste, nós falamos frequente.
– E o que conversam?
– De tudo um pouco.
– Sobre vocês?
– É difícil. Ela não diz as coisas que preciso saber. Vive se esquivando.
– Falou isto a ela?
– Sim. Mas no ponto de vista dela, ela responde.
– E?
– Continuo sem respostas.
– Entendo. Aí, veio aqui.
– É. Estou enfrentando uma crise de identidade.
– Crise de identidade ou paixão.
– Que isto doutor? Paixão é coisa de adolescente.
– E com quantos anos está se sentindo agora?
– Ah! Uns 15 ou 16.
– Entendo. E ela gosta de você?
– As vezes acho que sim, as vezes acho que não, é o tal do bloqueio.
– Bloqueio?
– Sim. Uma espécie de muro que nos separa. Não sei o que tem do outro lado e ela não me diz.
– Hummm.
– Dois.
– Que?
– Nada não. Uma brincadeira nossa.
– Bom, fale mais sobre ela.
– Ficou interessando , né?
– Nada disso. Preciso saber para poder te ajudar.
– Pois é! São coisas que ela diz que me confundem.
– O que por exemplo?
– O tal do bloqueio. Que ela poderia estar melhor e eu estou envolvido nisto.
– Como assim?
– Vai passar dos 50 minutos.
– Não tem problema, continue.
– Eu não vou pagar, hein?
– Fica frio, desembucha.
– Bom. Um dia eu disse a ela que eu poderia estar melhor, me referindo a nossa situação e ela disse a mesma coisa. Só não sei se é estar comigo ou que eu poderia nunca ter aparecido.
– Hummm.
– Dois.
– Vai começar?
– Ups, desculpe.
– Perguntou a ela sobre isto?
– E o doutor acha que ela respondeu?
– Que mais?
– Ela também me disse para procurar uma princesa, que não poderia me dar o que preciso porque não é livre.
– E o que você disse?
– Que já passei da idade de ser príncipe encantado e que estou mais para sapo.
– E sobre não ser livre?
– Problemas pessoais, compromisso, trabalho, família.
– Ela é casada?
– Não. Mas, cuida dos irmãos.
– E você?
– Sou livre
– Não. A respeito dos irmãos dela.
– Eles são demais, umas figuras, divertidos, cheios de energia.
– Ela sabe que pensa isto?
– Acho que sim.
– Ela disse mais alguma coisa?
– Bem, quando eu disse que ela não sentia nada, meio que negou.
– E isto é bom?
– Devia ser se ela tivesse falado abertamente.
– Explique.
– Estávamos no Chat. Após eu falar, ou melhor escrever, ela respondeu que realmente não dava para ter este tipo de conversa ali.
– Você acha que ela tem razão?
– Totalmente. Eu vivo dizendo isto a ela.
– E ela?
– Até então achava que dava.
– E agora?
– Não sei. Não falei mais com ela sobre este assunto.
– Como ela lhe trata?
– Apesar de fugir o tempo inteiro, eu vejo muito carinho em seus olhos.
– Bom.
– E certa vez, no Chat me chamou de amor.
– E você?
– Perguntei se era sacanagem ou sentimento.
– E ela?
– Falou: Nossa como tá quente. Será que vai chover?
– Entendo. E o que gostaria de fazer?
– Pegar um megafone e gritar para o mundo que a amo.
– E por que não faz?
– Ia ser o maior mico né Doutor?
– Onde acha que poderia melhorar esta relação de vocês?
– Talvez se tivéssemos um pouco mais de tempo só nosso, sem pressa de ir embora. Sem pensar nos outros, sendo um pouquinho egoísta.
– E ela?
– Parece fugir disto.
– O que mais aconteceu?
– Certa vez rolou um beijo.
– Beijo?
– Sim. Beijo que ela diz ter sido roubado.
– E foi?
– Para mim não. Ele correspondeu, mas diz até hoje que não.
– E como foi?
– Foi leve, rápido, na verdade um pouco mais que um selinho, mas foi muito bom.
– Por que tão rápido?
– Era uma despedida, e tinha uma cidade inteira buzinando atrás.
– E depois?
– Foi ai que eu comecei a sentir um maior afastamento. Tão perto, mas tão longe.
– Como?
– Coisa nossa, deixa para lá.
– E o que pensa em fazer?
– As vezes tenho vontade de desaparecer, voltar para a minha ostra.
– E por que não faz?
– Porque ela me faz muita falta.
– Já disse isto a ela?
– Muitas vezes.
– Mas o relacionamento não progrediu?
– Até que sim, saímos, trocamos carinhos, beijos e agimos como namorados.
– E ela?
– Falou que não estava preparada para se envolver.
– E?
– Eu disse que ela já estava envolvida. 
– E ela?
– Falou: Nossa que quente, acho que hoje chove mesmo.
– E você?
– Vontade de sumir de novo.
– Bem. O tempo terminou. Gostaria de dizer mais alguma coisa?
– Sim.
– Diga.
– Bú “pro” mundo.
– E o que exatamente quer dizer isto?
– Quer dizer pensar em si não se preocupando com que os outros irão pensar, ser livre, dar o grito de independência, amar sem se preocupar em sofrer, arriscar ser feliz, querer ser feliz e não ter medo de não dar certo. É aproveitar o momento bom porque, simplesmente, está bom. Não sofrer por antecipação. Não desistir sem tentar.
– Bom, quando voltas?
– Vou pensar.
– Até então.
Segundos depois ...
– Dona Cíntia por favor ligue para minha esposa.
Minutos depois ...
– Dr. Amauri! Sua esposa na linha 1.
– Oi amor.
– Agora é amor, Amauri, depois grosseria que me fez.
– Querida , desculpe, acho que precisamos conversar, sair para dançar, ter momentos mais nossos.
– Puxa, você nunca falou assim antes.
– Pois é, sempre tem a primeira vez.
– Bom, podemos ir no sábado.
– Não querida, podemos ir hoje.
– Hoje? Mas e os compromissos?
– Ah querida! Bú “pro” mundo.

Fotografia: Fabrícia Santos Chamun
Montagem: Simone Disegna
Modelo lindão: A modéstia me impede de revelar. 

10 comentários:

  1. kkkkkk Ai, ai. Hilário.
    Muito bom mesmo Claudio, não sei de onde você tira essa criatividade toda. :)
    Grande abraço para esse modelo lindão que a modéstia impediu que se revelasse. kkk

    O POETA E A MADRUGADA
    opoetaeamadrugada.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. D+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++ SÓ TU MESMO AMIGO... GRITANDO NA NET EM CAIXA ALTA MESMO KKKKKKK Um enooooooooooooooooooooooooorme beijo no coração!

    ResponderExcluir
  3. kkkk
    ótimo texto!!!!!!
    É muito fácil falar o que o outro deve fazer...mas na vida real é bem diferente....falamos , mas não agimos como falamos para os outros!!!!!
    Analistas, terapeutas,psicólogos !!!!!!!kkk
    bjus
    Gostei!!!!!
    http://www.elianedelacerda.com

    ResponderExcluir
  4. Eitah, precisava deste texto a 15 dias atrás :( ... agora já foi lol.
    Parabéns Claudio ..impossível ler seus textos e não rir...
    Quer saber BÚ!! para o mundo ... beijos e abraços!

    ResponderExcluir
  5. Hahaha, curti! Apesar de ter sido irônico, no processo terapêutico há mesmo uma transformação de ambos os lados ^^.
    Acho que estou precisando de um "bú" assim, há muito tempo.
    Sempre mantendo o bom humor ;D

    ResponderExcluir
  6. KKKKKKKK
    Meu amigo "gênio" especial, mais uma vez adorei o que li, e aprendi aqui agora kkkkk

    Bjsssssssssss

    ResponderExcluir
  7. Boa noite Claudio! Conheço uma psicologa que diz o seguinte: Todo psicologo é o primeiro a precisar de tratamento. E ai você cobrou pela consulta, afinal foi o seu BÚ que fez o analista acordar pra vida...Adorei!
    Beijos
    Marilene

    ResponderExcluir