sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Cotidianos: Preconceito punido

– E ai Gabriel?
– Fala Luiz.
– Vamos almoçar?
– Claro.
– Tem um restaurante novo a duas quadras daqui.
– Beleza! Vamos nesta Luiz.
Alguns passos depois...
– Xi Luiz...
– O que foi?
– Dois negrões na nossa direção.
– Negrões? Cara! São pessoas da raça negra. Qual o problema?
– Eu vou voltar.
– Por quê?
– Não quero ser assaltado.
– Nossa cara! Isto é além do preconceito, é racismo. Isto é crime.
– Crime por quê?  Por querer voltar?
– Pelo que está dizendo.
– Ahhh Luiz, fiques para ser assaltado. To fora. To voltando.
No dia seguinte...
– Pô Gabriel tu és preconceituoso mesmo. Aqueles caras são filhos do dono do restaurante. Eles estavam distribuindo folhetos de promoção. Fui muito bem tratado e a comida é ótima e barata.
– Que bom.
– Que descaso! Continua o preconceito hein?
– Nada disto, Luiz. É que to chateado.
– Por quê?
– Ontem quando retornei, acabei pegando o carro e indo almoçar no shopping.
– E aí?
– Aí que uma gata, a coisa mais linda, começou a me dar bola.
– É?
– Sim. Ela era loira de olhos azuis, seios fartos e que bunda. Cheirosa, gostosa, uma loucura.
– E isto é motivo para desânimo?
– Pois é. Ela me deu uma cantada e me convidou para ir a um motel.
– E?
– Era uma tremenda armadilha. Quando eu cheguei no estacionamento, três amigos dela me assaltaram.
– Mesmo?
– Sim! Levaram dinheiro, celular e o carro. Eles me deixaram só de cuecas. Eu só lembrava de ti e do que tinha me falado.
– Para com isto meu. Ficou de cuecas pensando em mim? Tá me estranhando.
– Não é isto Luiz, qual é?
– Então pensou em mim por quê?
– Porque eles eram todos brancos. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O naúfrago

Já faz dois anos. E nós aqui né, James?
Por que aquele barco foi afundar?
Pior. Por que fui cair do bote onde estava o pessoal?
Eu sei, eu sei James. Fui boca aberta, moscão, vacilão, tudo isto.
Também não tenho do que reclamar, achei uma boia e a maré me trouxe para esta ilha cheia de frutas, caça e água fresca.
Mas são dois anos já, James.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"Hello", de Adele a sua volta ao mundo da música

Após quatro anos de Hiato a cantora Britânica de 27 anos está de volta ao mundo da música. Adele está de volta com sua nova música "Hello" que está bombando cem porcento. Filho e cirurgia na garganta fez que a cantora parasse por um tempo.

Adele no clipe do single 'Hello' (Foto: Divulgação)

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

TALHADOS NO TEMPO


Das mãos, cheias de calos,
floresce a história do seu trabalho.
Escorre-lhe o suor sagrado
dos dias talhados no tempo.

No rosto, cheio de marcas,
sinais das batalhas de outrora.
Não como estas de agora
que a compreensão ignora,
mas como já fizera antes
nos tempos de tantas amantes.

Da voz, já quase inaudível,
ouve-se palavras amigas,
embora um tanto sofridas
pelas quedas da vida.

No peito, cheio de compaixão,
um coração ressoa vacilante.
Não como ressoava antes,
nos tempos de tantas amantes,
mas como ressoa agora
o coração vacilante.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

ESVAZIAR-SE


Na contra-mão das palavras
ouvidas no tempo,
do vento das letras
em páginas - amareladas -
da vida, percebo 
enfim
o que é a Morte

E me apaixono inteiramente

pelo seu ato de desapego,
de livrar-se 
de qualquer 
dor
de qualquer 
desamor,
de qualquer
amargor

Lançar-se plenamente

no vazio 
do in-sentimento
e esvaziar-se
da água - suja -
da vida.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

ICARUS



Eis que de tanto sonhar
em voar, tornei-me pó-
             eta
Criei asas
nada-
de-
iras
Entrei para a classe seleta
das chocadeiras
dos ovos
de ouro

E nos des-
dobra-
mentos
— da escrita —
Choquei tesouros!

Como Ícaro,
alço voo 
com asas de cera

Como ver(-)me
as asas derretem
ao tocar na fogueira.

sábado, 26 de setembro de 2015

Aventuras em Salvador

A maioria das pessoas fala que viajar a trabalho é ruim. Quando estas viagens se tornam uma rotina é ruim mesmo. 
Em 2008, eu já estava cansando de tanto viajar, mas fui abençoado.  Minha viagem a trabalho foi para Salvador.  Os Baianos dizem que Deus mora lá. É difícil falar algo a respeito porque o Nordeste todo é lindo, mas com certeza se Deus quiser morar no Brasil, Salvador está no páreo.
Eu nunca pensei que minha viagem apesar de ser para um lugar fascinante daria uma postagem no blogue. Entretanto, conversando com um ou outro sobre as façanhas que fiz na capital baiana, percebi que anos depois daria um texto.
Então, vamos lá.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Quem não sofreu preconceito II

Continuando a saga do preconceito...

Já adulto, estava eu parado no semáforo, para nós gaúchos sinaleira, do entroncamento da Av. Mostardeiro com a Av. Göethe, em Porto Alegre. Do meu Monza Classic 2.0 SLE top de linha da montadora, avistei uma mocinha distribuindo folder de apartamentos. Quando ela veio em minha direção, passou direto e não me deu o panfleto. Bom, esqueci de dizer que meu possante era top de linha em 1990 estávamos em 2002, e ainda que, os folders eram de apartamentos de luxo. Portanto, ela só entregava para carrões e alguns nem abriram a janela para receber. Bem feito para ela. O que a mocinha não devia saber é que muitos que têm carrões ficam a vida toda pagando a prestação no sacrifício e eu não tinha conta alguma, mas tudo bem, eu sei que era orientação da construtora.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O SOLDADO



Uma neblina láctea e densa cobria as ruas do vilarejo
Na rua, ainda escura, dormiam bêbados e cachorros
Ninguém mais nas calçadas, nem nos morros
Só o silêncio noturno o acompanhava, e o desejo

A roupa ainda úmida da noite fria e chuvosa
Grudava na pele quente, áspera e febril
No peito, o aperto do dever civil
Do descumprir da lei asquerosa

Fora chamado para o alistamento
Naquele amanhecer, naquele momento
Não haveria como recusar

Poderia fugir para um lugar distante
Mas não teria paz um sequer instante
Teve, forçosamente, que se alistar.

sábado, 29 de agosto de 2015

Quem não sofreu preconceito I

Uma vez eu me deparei com um assunto que falava sobre todo mundo já ter sofrido algum tipo de preconceito.
De minha parte, obviamente que eu concordei, pois eu tenho ciência que já sofri alguns. E exatamente quando estava escrevendo sobre isto no comentário, eu me dei conta que poderia fazer um texto sobre os preconceitos por mim sofridos.
Claro que não quero fazer deste artigo um muro de lamentações, e sim mostrar que o preconceito existe em todas as classes da sociedade.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Viver é Fácil Com os Olhos Fechados - Vivir es Fácil Con los Ojos Cerrados - 2013 - Espanha

Inspirado em uma história real, "Viver é Fácil Com os Olhos Fechados" dirigido por David Trueba é daqueles filmes deliciosos que retratam sentimentos nobres do ser humano, a gentileza permeia toda a produção que traz um grande nome do cinema espanhol, Javier Cámara (O Que os Homens Falam - 2012).
Em plena década de 60, Antonio (Javier Cámara), um modesto professor de inglês, é fã incondicional dos Beatles e sonha em conhecer seu ídolo, John Lennon. Para encontrar o seu herói, o professor irá viajar até Almeria e no meio do caminho irá esbarrar com dois jovens: Belén (Natalia de Molina), uma moça de vinte anos e Juanjo (Francesc Colomer), um garoto de dezesseis que está fugindo de seu pai autoritário. O encontro destas três pessoas fará a vida de cada uma tomar rumos imprevisíveis. O título do filme é uma frase da letra de "Strawberry Fields Forever", composta por John Lennon em sua passagem por terras hispânicas em 1966, onde gravou o filme "How I Won the War", de Richard Lester.
O filme é um road movie que retrata o amor pelo seu ídolo e toda a ternura que pode haver numa pessoa. Antonio tem um coração que não cabe no peito. No início o vemos ensinando inglês às crianças com a canção "Help" e logo se enveredando pela estrada rumo ao seu sonho, conhecer John Lennon e convencê-lo a colocar as letras das músicas no encarte de seus álbuns. No caminho ele encontra Belén, uma moça grávida e sem apoio, e também dá carona para Juanjo, um garoto que por causa dos desentendimentos com o pai, principalmente por ele invocar com seu cabelo, foge em busca de algo. Nessa viagem conhecemos um pouco mais dos personagens e acabamos por nos apaixonar, são situações cativantes e de rico valor.

Antonio é uma pessoa que adora falar e contar histórias, ele brinca com os dois jovens que estão numa fase nada favorável. Com o desenrolar Belén se afeiçoa a Juanjo, que descobre a sua primeira paixão. O cenário e as cores vibrantes, juntamente com a trilha sonora faz deste um filme imperdível, é para se encantar com diálogos e momentos únicos, captando o que cada personagem tem para dar e sorrir diante a atitudes que nos fazem ser melhores uns com os outros.
A recriação da época é impecável e explora bem a beatlemania, principalmente em relação a John Lennon. Para os fãs da banda é um deleite e até para aqueles que não dão tanta importância é uma delícia de filme.

O humor sereno está presente em toda a narrativa, e por mais que algumas situações sejam ridículas, afinal idolatrar alguém é algo idiota a se fazer, o filme pende mais para um lado ingênuo e desperta sentimentos prazerosos, como a vontade de pegar a estrada sem rumo e contemplar a paisagem ouvindo uma boa música.
"Viver é Fácil Com os Olhos Fechados" tem uma história agradável e você nem sente o tempo passar. É uma linda surpresa coroada pela atuação singela de Javier Cámara. É uma viagem sonhadora que faz florescer a alegria.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A CRIATURA


Vi-a pelos becos escuros da madrugada
Vagando por toda a cidade dardejante
Sob a luz pálida de uma lua minguante
Não era homem, não era bicho, não era nada!

Foi numa noite erma e gelada
Debruçado no batente da janela
Sem saber, fiquei ali, à espera
Vi a coisa se arrastando na calçada

Na esquina, armavam-lhe uma emboscada
Era a noite marcada para sua captura
Com lanças, redes e armaduras
Dez homens não valeram de nada

A coisa arrancou-lhes os corações com uma guinada
Caíram todos ao chão com peito aberto
Para onde foi tal criatura, não sei ao certo
A rua tornou-se rubra: ensanguentada

De resto, não sei mais nada
Não me aproximo mais daquela janela
Mas bem sei que homem não era
Quiçá uma alma penada!

E quando deito nestas noites enluaradas
Ouço ainda os corações a palpitar
Na rua, uma brisa gélida toma conta do ar
Anunciando sua presença indesejada.

© Girotto Brito

sábado, 22 de agosto de 2015

O meu vestido rodado

Era uma vez uma menina pobre. Sua família de origem humilde só tinha dinheiro para as necessidades básicas. Seu nome era Inga. Ela era muito aplicada no colégio, uma aluna exemplar. Todos os professores eram apaixonados por ela. Mesmo tendo apenas 9 anos ela sofria bullying de seus coleguinhas porque usava roupas muito simples.
Apesar de tudo, ela era muito feliz e adorava dançar.  Bastava ouvir uma música de qualquer gênero, ela dançava. Ela gostava tanto que fazia parte do grupo de dança do colégio.
Um dia a sua felicidade acabou. A escola decidiu participar de um concurso de danças para colegiais, mas os pais dela não tinham dinheiro para comprar o vestido. Ela não poderia participar. Então ela chorou, chorou e chorou e passou a ser a menina mais triste da escola.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Super Indico: Programa Maquina da Fama (SBT)

Alô! Alô! Estou de volta com o Super mais super mesmo a minha sessão de Musicas...

Hoje vamos falar do programa que está fazendo surpreender o Brasil todo. E o SBT do Tio Silvio o programa se chama Maquina da Fama que transforma convidados ou pessoas comuns se vestir e se caracterizar de algum famoso da musica Nacional ou Internacional e tem que saber cantar. O Programa e com uma das Filhas de Silvio a Patricia Abravanel.


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

MANHÃS DA INFÂNCIA



Alvoreceu — lá, no alto do morro
As gotas do orvalho vestem as campinas
No céu, inertes nuvens cinzas
A sombrear a estradinha que percorro

Aqueço as mãos com um sopro longo e quente
Cubro as orelhas com um velho gorro
Não posso atrasar, apresso o passo e corro
Um dia qualquer para uma alma penitente

Do alto da ponte um rio transbordante
Água corrente, límpida, cintilante
Natureza morta que vida transborda

Alvoreceu — numa manhã qualquer de inverno
Nos campos de minha infância, eterno
Habitante da memória de um ser do agora.

© Girotto Brito

sexta-feira, 31 de julho de 2015

O velho, a linda e o jovem

Um homem de meia idade entra no bar dançante do hotel acompanhado de uma bela moça cuja idade é aproximadamente 25 anos.  Ele, muito elegante, veste um terno fino de grife famosa que o deixa mais alinhado. Ela, especialmente linda, está usando um vestido com um alinhamento perfeito de alta costura, modelo exclusivo. 
Eles aguardam o metre chegar e indicar um lugar perto da pista, e de mãos dadas caminham até a mesa onde se acomodam e começam a conversar. 
Com sua mão sobre a dela eles passam o tempo, falam coisas engraçadas e riem muito. É explícita a admiração que ela sente por aquele homem.
Pouco mais adiante, um jovem de idade compatível com a da bela moça, não consegue tirar os olhos dela. Ela percebe e sorri. Tenta ser discreta, mas demonstra o interesse.
O tempo vai passando e os flertes aumentam.
Lucas fica um tanto sem graça de flertar com uma mulher acompanhada, mas não consegue disfarçar o fascínio que sente por ela.
Ela comenta algo para seu acompanhante que olha para trás e sorri.
Sem entender nada, Lucas tenta desviar o olhar, mas a curiosidade dele é maior.
Após algum tempo, Alexandra levanta-se e começa a dançar sozinha e Lucas fica cada vez mais encantado com a sensualidade da moça. Ao parar de dançar, ela se aproxima do seu acompanhante, fala em seu ouvido e vai até o toalete.
Então, o senhor chama o jovem para a mesa. Lucas meio assustado, mas querendo saber o que passa, vai.
– Olá tudo bem? Meu nome é Rodolfo e o teu?
– Lucas.
– Estás nervoso, Lucas?
– Não! Apenas apreensivo. Não é uma coisa muito habitual.
– O que? Um homem mais velho vir a um bar dançante com uma jovem linda?
– Sim. Quer dizer não é isto. É que ela... bom... como vou dizer?
– Ela está te paquerando?
– Isto! O senhor não sente ciúmes?
– Acho que já passou da fase de eu ter ciúmes da Alexandra.
– Alexandra! Que lindo nome.
– Não é só o nome, não é mesmo?
– Sim! Desculpa. Olha, não quero ser inoportuno.
– Não estás sendo. Eu sou um velho moderno. Por isto estou aqui. E por isto ela não se importa de me acompanhar.
– O senhor acha tudo isto normal?
– Não vejo porque não.
– Nossa! Nem eu, que sou mais jovem, estou entendendo.
Rodolfo ri e diz:
– Percebo que não estás entendendo nada mesmo, mas já vais entender.
– Será?
– Vais sim, assim que ela voltar – risos.
Quando Alexandra retorna, Rodolfo a beija no rosto e diz:
– Bom! Sou moderno, mas não tenho a juventude de vocês para ficar acordado até muito tarde. Vou subir.
– O senhor vai me deixar sozinho com ela?
Enquanto Alexandra ri, Rodolfo responde:
– E por que não? Eu já sei que tu és um bom rapaz.
– Sim, mas e vocês?
– Jovem! Deixa eu te explicar uma coisa. Todo pai quer que sua filha seja feliz, portanto divirtam-se, mas com moderação.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Maioria Oprimida - Majorité Opprimée - 2010 - França (Curta - Metragem)

"Maioria Oprimida" (2010) dirigido por Eleonore Pourriat é um curta-metragem excepcional que retrata a vida de um homem que sofre de sexismo diariamente em um mundo dominado por mulheres. É incrível que o baque em algumas pessoas só aconteça quando há a inversão de papéis, colocando o homem na pele da mulher vivenciando o cotidiano, coisas que são vistas como normais, as tais 'cantadas' seguidas daqueles ruídos odiosos, ou mesmo aquela virada de cabeça. Infelizmente faz parte do dia a dia da mulher, e tudo isso acontece porque essas ações são aceitas e passadas ao longo do tempo.
No curta observamos o contrário, as mulheres é que dominam a sociedade, o protagonista desde o momento que sai de sua casa começa a sofrer com assédio, seja por causa da roupa, por estar sozinho e etc. São olhares invasivos, palavrões, e por fim o estupro. Ao recorrer à delegacia a delegada desfaz do caso e ainda justifica a violência pela roupa que ele estava usando, e sua esposa ao invés de ajudá-lo fica impaciente e não dá o devido valor ao fato. Acontece muito isso, a mulher ser violentada e ainda a culpa cair sobre ela. A inversão de papéis foi uma maneira simples, mas genial para despertar a atenção à opressão que a mulher sofre todos os dias, a ideia é clara e objetiva e atinge perfeitamente a questão, a sociedade machista em que vivemos.
Sem dúvidas o machismo está incrustado na nossa sociedade, seja em homens ou mulheres, muitas situações retratadas necessitam ser repensadas, não é normal, não é gostoso receber comentários chulos, além de causar constrangimento e medo. Ao assistir "Maioria Oprimida" vemos que há algo errado, a inversão de papéis promove esse olhar, e é preciso que todos percebam que essas atitudes tão cotidianas precisam parar.

Em menos de 11 min o curta satiriza e reflete sobre o quão nocivo é o sexismo, e mostra comportamentos que são repetidos e vistos como normais, algo que só aumenta mais o machismo na cabeça das pessoas. É uma importante questão que cada vez mais precisa ser discutida porque ninguém merece ser desrespeitado, constrangido ou diminuído pelo seu sexo.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Onde verdadeiramente habitamos...




A solidão, o sofrimento, a angústia, a fúria e a loucura muitas vezes constroem um imenso labirinto dentro de nós. Um labirinto de autoconhecimento e ao mesmo tempo de autodestruição. Um emaranhado de redes cognitivas e sentimentais do qual com muita sorte apenas é possível escapar, no entanto, jamais sem marcas.

O poema a seguir trata subjetivamente disso: do mergulho profundo que fazemos em nós mesmos em momentos de isolamento e depressão, do quanto isso pode ser destrutivo e ainda assim construtivo. 


MERGULHO ARDIL
  
I

Morei
Morei noites e dias
Invernos e invernos
Naquele quarto úmido

Experimentei horas a fio
A angústia da solidão
E o furor sombrio
Daquele meio túmido

Fui o mais vivo dos cadáveres
E naquele inverno ardente
Comi o pão do inferno,
Bebi a dor em cálice

Nas ermas e infindáveis noites
Torturei-me em devaneio
Rasguei a carne com açoite
Dilacerei-me quase por inteiro

Estranha alma humana
Atormentada por Ser tão vil
Pela própria essência sucumbe,
Abraça um desespero frio.


II

Salvei
Salvei a mim e a mim
Outonos e outonos
Naquele quarto-sepulcro

Enxerguei a vida na escuridão
E acendi um tímido pavio
Iluminei toda abstenção
E a luz se tornou meu fulcro

Senti-me o mais vivo dos mortais
E daquela gélida penumbra
— já quase uma lápide —
Livrei-me dos pensamentos abissais

As ermas e infindáveis noites
Tornaram-se manhãs nubladas
Ainda desagradáveis, confesso
Porém, forçosamente suportáveis

Estranha alma humana
Que busca forças no âmago febril
Pela própria essência renasce,
Derrota mesmo um Ser hostil.


III

O pensamento é um mergulho ardil
Um nado na escuridão de nós
No covil onde nos encontramos sós

Lá, onde verdadeiramente habitamos
Onde nos tornamos ódio e furor
Lá, o ópio é a dor

Eis que ainda estamos vivos
Então respiremos, respiremos,
Ou em nós nos afogaremos.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Wanda

Wanda era alta, esbelta, seu corpo uma escultura e sua boca carnuda estava sempre pintada de vermelho.  Embora fosse muito jovem, ela continha segredos de uma mulher madura. Divertida, alegre e incrivelmente fogosa exalava sexo pelos poros e contagiava os ambientes por onde passava. Ela era inteligentíssima, de raciocínio rápido e de grande personalidade. De família rica, mas ignorando os valores familiares, ela trabalhava de dançarina na boate Lua Doce.
Carlos, igualmente jovem, forte, inteligente, frequentador assíduo da boate onde Wanda trabalhava, era totalmente apaixonado por ela. Também de família nobre, sua paixão por Wanda fazia com que abdicasse das rodas da alta sociedade para vê-la dançar todas as noites.
Wanda dançava como ninguém. Ela era única. A plateia ignorava todas as outras dançarinas esperando ansiosamente pelo seu show. Não menos ansioso, Carlos olhava o relógio muitas vezes na esperança de que o tempo passasse mais depressa para ver sua musa.
Ela tinha apenas duas paixões: a dança e o sexo. Alimentava estas paixões exibindo seu corpo exuberante e entregando-se ao homem que escolhia nas noites de espetáculo. Foram muitos, mas ao contrário das prostitutas, Wanda não fazia por dinheiro, e sim, por prazer.  Ela os encantava, os dominava, os trazia debaixo de seu salto. Eles pareciam gostar daquele domínio irresistível, que lhes dava sexo, mas nunca amor.
Ela tinha um padrão. Escolhia os homens pelo olhar. Aquele que tivesse o olhar mais faminto, o que fazia com que ela se sentisse mais desejada, era o requisitado, mas nunca repetia os escolhidos.
Wanda não queria dinheiro, e sim ser a melhor entre as melhores.
Carlos ficava na esperança de ser o escolhido, mas algo nele a desagradava. Ele não tinha aquele olhar faminto dos outros homens e sim um brilho diferente que a repelia ao mesmo tempo em que a atraía.
Como a atração foi mais forte, um dia ela o escolheu, e para ele se entregou naquela noite. O receio que ela tinha se concretizou. Viu que aquela vez foi diferente, pois mesmo sempre sendo ela a dominadora, se sentiu dominada, mas não por ele, que estava totalmente entregue à paixão, e sim por ela mesma. Foi um sentimento jamais percebido e entendeu que este poderia ser um problema. Wanda não queria se apaixonar, não queria compromisso, e sim continuar vivendo ardentemente cada dia. Entretanto, o desejo de ver Carlos novamente era constante.
Wanda não dançava mais como antes, a plateia já não lhe era mais fiel, mas Carlos estava sempre ali a cercando. Ele enviava-lhe flores, doces, convites para sair.  Apesar de rejeitar, ela não parava de pensar nele e não conseguia mais se entregar ao prazer com outros homens, embora tentasse. Foi então que a “Lenda Wanda” da Lua Doce perdeu o encanto e com isto acabou o seu feitiço sobre os homens .
O público já não queria saber dela e o proprietário a mandou embora. Ela caiu em depressão. Não precisava de dinheiro, e sim de continuar sendo a melhor no que amava fazer.
Com o sumiço de Wanda, não tão menos desesperado ficou Carlos que procurou sua amada em todas as boates.
O tempo passou, Carlos se conformou, mas não a esqueceu. Wanda continuava viva em sua memória.
Algum tempo depois, Carlos em um show do cruzeiro que estava fazendo, se surpreendeu. Uma banda tocando salsa tinha uma dançarina que lhe chamou a atenção. Suas pernas, a boca, o cabelo, a pele e o corpo muito lembravam sua amada. Não poderia ter duas mulheres assim no mundo, não para ele. Só podia ser ela. Então ele se aproximou para ver de perto e constatou. Era ela! Não dançava mais como na Lua Doce. Evidentemente que a música, a dança e o ambiente não eram os mesmos, mas ela não tinha o mesmo brilho embora a plateia adorasse. Ali, somente Carlos sabia como era antes. Porém, ela continuava bela. Carlos com a palpitação mais forte se aproximou do palco e ela o viu.
Trocaram sorrisos. O brilho dela voltou e ela deu um show ainda maior.
Naquela noite entregou-se a Carlos novamente, mas desta vez sabia que não seria a última. Após o reencontro, Wanda só dançou para Carlos e hoje somente ele lembra daquela mulher admirável e cheia de encantos, que fascinava a todos com sua exuberância, autonomia e liberdade.
Wanda perdeu-se no tempo, deixou-se levar pelo cotidiano de uma mulher comum descendo do seu pedestal de Deusa suprema, mas viveu feliz ao lado de seu único amor.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

A carreira de Toninho

Durante o intervalo da final do campeonato estadual, na cidade de Capinzinho, um molequinho que trabalha de gandula é observado pelos dirigentes do time visitante, o Capital FC, que disputa a final contra o time local.
Toninho brinca com seus colegas no campo enquanto as equipes descansam. A torcida acha graça naquele menino que humilha os demais com seus dribles desconcertantes.
Após o jogo, mesmo com a derrota e com isto a perda do título, um dirigente do Capital permanece na cidade para localizar o garoto.
No dia seguinte, Osvaldo Luz, diretor e olheiro do Capital FC consegue localizar a mãe do menino, a dona Maria Rosa, e conversa com ela. Ele a faz entender que é uma oportunidade para o Toninho iniciar uma carreira nas categorias de base de um grande clube. Ela hesita, mas vê uma excelente chance de mudar o futuro do filho. Agora, só falta ele querer.
Ao chegar do colégio, Toninho se surpreende com a visita ilustre e atentamente recebe as explicações. Ele não pensa duas vezes, pulando de alegria, aceita a proposta. Mesmo tendo apenas 12 anos, sabe que a oportunidade é de ouro e não pode perdê-la. Bem informado sobre o mundo futebolístico pelas leituras de jornais na barbearia da cidade, ele sabe que o Capital FC é um clube que está quase sempre nas decisões enquanto que seu time do coração em toda história, apesar de ter sido campeão, chegou apenas uma vez. E ainda, este clube é de primeira divisão nacional.
Osvaldo consegue um emprego na capital para a dona Maria Rosa fazendo com que o menino fique mais amparado, mas ele passa a morar no clube pela facilidade de estudo e treinamento.
Toninho é sempre o primeiro a se apresentar e cai nas graças do treinador não só pela habilidade, mas também, pela dedicação.
O tempo vai passando e Toninho subindo de categoria.
Ver um jogo da arquibancada não era mais novidade para ele. Assiste inclusive com tristeza uma goleada histórica de 5x0 aplicada no seu time do coração, o Atlético de Capinzinho, no ano em que foi rebaixado. É claro que Toninho mais esperto, mais vivido, sabia que o time da sua cidade natal era um clube pequeno e que aquele ano de glória foi um ano especial.
Ciente que sua realidade é o Capital FC assina seu primeiro contrato profissional aos 17 anos e fica a disposição do treinador, recém-chegado ao clube, Euclécio Danúbio.
Toninho não é aproveitado entre os profissionais, mas um dia o treinador o chama para jogar na ala direita. Toninho era meia-atacante, mas não rejeitou a oportunidade. Ele faz sua estreia em um jogo do campeonato estadual marcando um gol, mas não teve muitas chances de atuar nos jogos seguintes. Neste ano, embora fosse sempre um dos favoritos, o Capital não chegou as finais do estadual. A última vez que tinha perdido o campeonato foi justamente em Capinzinho. No nacional a campanha da equipe foi mediana.
Com os maus resultados, Euclécio é demitido e o novo treinador assume. É Janílson de Freitas, mais conhecido como Janjão, o ex-ídolo de Toninho.
Na temporada seguinte, Toninho passa a ser mais aproveitado na equipe entrando em quase todos os jogos.
O Capital volta a ser campeão estadual. Toninho fica feliz com seu primeiro título profissional, mas a alegria não é tão grande como na vez que foi gandula, pois ele foi reserva o tempo todo.
O Capital contrata jogadores experientes e juntando-se a eles Toninho assume a titularidade na sua posição de origem e passa a ser o melhor jogador do time.
O que falta para o clube é um título nacional.
Com os reforços e o talento de Toninho o Capital tem grandes chances de realizar este sonho.
O campeonato é acirrado, mas o Capital chega à final.
Toninho cada vez mais titular enche os olhos da torcida e é o terror das defesas adversárias, mas sua inexperiência lhe prega uma peça. Ele é envolvido pelos seus companheiros e sai à noite fugindo da concentração. Toninho não era disso, mas era uma novidade e ele foi mais levado na onda dos outros mais experientes do que pela própria vontade de ir.  Na boate onde estavam, Toninho se perde aos encantos da dançarina Wanda e deseja ficar mais um pouco enquanto seus colegas voltam para o clube. Toninho não bebe, mas a sua mesa está repleta de garrafas vazias. É o suficiente para um paparazzi o crivar de flashes. Com o fato injustamente noticiado, o Presidente Saulo Schneizzer, sem piedade, pressiona Janjão para tirá-lo do time. Apesar do protesto dos outros jogadores e da comissão técnica, Toninho não fica nem no banco de reservas.
De nada adianta os jogadores envolvidos esclarecerem o ocorrido.
Na verdade, isto tudo é pretexto para Schneizzer abrir caminho para Júlio Rosa que jogava na mesma posição. O passe deste jogador é 45% de Schneizzer.
Toninho continua treinando, mas fica fora do primeiro jogo da final que é contra o atual campeão, o Campeiros.
O primeiro jogo foi 2x2, em casa, cheio de confusões e duas expulsões para cada lado.
Sabendo que o segundo jogo seria ainda mais difícil e com a perda do atacante Júlio Rosa devido à suspensão automática por ter sido um dos expulsos, Janjão escala Toninho para a reserva mesmo contra a vontade de Schneizzer. Este não queria dar o braço a torcer alegando que a punição de Toninho deveria servir de exemplo.
E o jogo começa...
Já no início, a pequena torcida do Capital, clama pelo nome de Toninho. No banco, ele se lembra daquela final que assistiu do lado de fora do gramado buscando as bolas e revive o sofrimento de ver o jogo em vez de atuar.
O Adversário é difícil e a maioria da torcida é contrária.
Marcão, atacante do Campeiros, entra na área dribla o goleiro Manuel e é derrubado. O juiz marca o pênalti. Toninho já viveu isto, a história estaria se repetindo? Não, desta vez a falta é incontestável e para piorar Manuel é expulso por ser uma situação clara de gol. O Capital fica com um jogador a menos aos 17 do primeiro tempo.  O atacante Souzinha é substituído pelo goleiro reserva Bentinho. O próprio Marcão bate o pênalti e converte. O estádio explode e a pequena torcida do Capital se cala.
Na reserva, Toninho impaciente sabe que poderia estar ajudando o seu time. Mais agoniado está Janjão que vê seu melhor jogador no banco por uma atitude lamentável do presidente do clube.
Ainda no primeiro tempo, o Campeiros perde dois gols feitos e no finalzinho Gilson Marau de cabeça amplia o placar. Era o pesadelo se formando para o time do Capital.
No intervalo, Janjão manda Toninho aquecer. Imediatamente o telefone toca. É Schneizzer ameaçando demiti-lo antes do fim do jogo, caso ele coloque Toninho para jogar, mas Janjão muito conhecido pelos seus atos de valentia e defensor dos seus atletas troca o zagueiro Elton Batista por Toninho. Ele não poderia concordar em perder o título pelo ato irresponsável de um Presidente que não sabe o que é treinar no sol e na chuva. E ainda, logo o Toninho que, além de ser o melhor do time, é um exemplo de atleta. Agora é tudo ou nada.
E o segundo tempo começa...
Toninho pela direita deixa seu marcador para trás e cruza para Juca Belo cabecear para fora. Era o Capital reagindo. Não foi preciso mais de duas jogadas de Toninho para que o técnico adversário gritasse: ─ Gruda no 20.
Toninho está infernal. Ele dribla dois adversários e na saída do goleiro coloca com categoria para as redes. Eram apenas dez minutos do segundo tempo. As esperanças do Capital se renovam. Porém, em virtude do um homem a menos, o domínio territorial era do Campeiros. No entanto, o craque do jogo já despontava. Toninho tabelando com seus colegas invade a área adversária, fuzila o goleiro Diógenes e empata o jogo aos 35. Embora, a partir daí, a moral estar com o Capital, o domínio ainda era do Campeiros, principalmente após a substituição de Juca Belo pelo zagueiro Ferreira. A ideia de Janjão era poupar o time para a prorrogação, pois achava que a equipe poderia não aguentar todo o tempo devido expulsão na primeira etapa.
E de fato veio a prorrogação. E quando tudo parecia que a decisão iria para os pênaltis, em uma jogada simples, mas rápida, Toninho lança para o volante Zito na cara do gol para este marcar para o título.
O juiz dá o apito final. Acaba o sofrimento. O Capital FC é campeão nacional graças a Toninho que mudou totalmente o rumo da partida.
A pequena torcida aplaude de pé chamando o Presidente Saulo Schneizzer de todos os tipos de palavrões possíveis.
Os jogadores do banco de reservas e a comissão técnica invadem o campo para comemorar e carregar Toninho no alto.
O gol da vitória não foi de Toninho, mas, foi dele a reação da partida, os gols de empate e o passe preciso para o gol do título. Era mais um sonho realizado.
Este jogo ficará na história do clube e na lembrança eterna de Toninho.