sábado, 26 de julho de 2014

Diário de bordo

Há muito que perdemos o rumo.
O mar está lindo e calmo, mas de nada nos adianta. Com os instrumentos quebrados e o casco avariado perdemos totalmente o rumo.
De que adianta o vento estar favorável se não sei a que porto me dirigir.
O Sol poderia me guiar, mas faz tempo que não o vejo. Com este tempo nebuloso o dia se confunde com a noite. 
O último pombo-correio chegou faz 40 dias. É fato que estamos totalmente fora da rota, se não os demais teriam nos achado. A última tempestade fez com que nos perdêssemos. 
           Com o último pombo vieram palavras do meu amor. É minha amada que me dá forças de continuar no timão procurando um caminho que não encontro.
Minha tripulação aos poucos sucumbe a fome e a sede. A água e a comida estavam racionadas.   Agora nada temos. Os poucos que sobraram me olham com orgulho por estar mais forte do que eles. De certa forma isto mantém as suas esperanças. O que eles não sabem é que, agora, o que realmente me importa é ver meu amor nem que seja uma última vez. Faz muito tempo que estivemos juntos, que fizemos amor. Não sei se a terei em meus braços novamente. Estou perdido neste deserto de águas.
Os marujos estão se indo, e aqui somente eu sei o que me mantém vivo. A cada linha que escrevo, um nos deixa.
Eu daria meu navio por um rumo correto, pelo caminho que me levasse para casa em segurança. Assim chegaria novamente ao coração da minha amada. Eu poderia morrer em seus braços que morreria feliz, mas não creio que terei esta sorte. Eu lembro dos nossos momentos em terra firme. São inesquecíveis. Não me sai da cabeça a imagem dela na praia esperando o navio sumir no oceano no dia que parti.
A saudade aperta meu coração e me deixa angustiado.
Eu supero a fome e a sede, mas esta ansiedade é que me mata aos poucos.
Só sobrou um marujo agora. Ele me olha sorridente achando que vamos conseguir. O coitado mal respira, sei que não lhe resta muito tempo. Já eu, não sei quanto tenho. Pronto ele se foi, seu sofrimento acabou. Agora só sobrou o meu. Sei que não vou conseguir, entretanto devo tentar ir até o fim. Ainda me sinto forte, mas parece que minhas mãos estão coladas neste timão e só desgrudam para eu escrever.
Vejo um amontoado de pedras. De nada adiantaria aportar nesta ilha estéril. Poderia levar a embarcação para que se arrebentasse nas pedras ou simplesmente deixar o leme livre para tentar sorte melhor, mas não devo desistir e sim tentar até esgotar a última força.
Já não vejo mais o horizonte, apenas a imagem da minha amada sentada na proa sorrindo e acenando para mim.
O navio começa a afundar. Agora sei que não tenho muito tempo. Não consigo mais lutar sozinho. A última coisa que me resta fazer é colocar esta página arrancada do diário de bordo nesta garrafa, jogá-la ao mar e rezar para quem a encontrar tenha a compaixão de levá-la a minha amada Esperanza no porto dos Amores.


2 comentários:

  1. Coitada dessa tripulação!
    Muitas vezes nos sentimos assim mesmo....afundando...todos juntos....a família....a humanidade....mas sempre há uma solução e alguém mais equilibrado sai vitorioso e é o que chamamos de inteligência emocional.
    Belo texto!
    http://www.elianedelacerda.com

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  2. OI CLAUDIO!
    MUITAS VEZES, QUANDO PENSAMOS QUE TUDO ESTÁ PERDIDO, SURGE UMA TÁBUA DE SALVAÇÃO.
    QUEM SABE O MARUJO NÃO A CONSEGUE?
    MUITO LEGAL TEU CONTO.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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