"Alabama Monroe" do belga Felix Van Groeningen é uma obra muito especial, um drama que mescla dor, música, vida, morte, e que ainda discorre por questionamentos religiosos. É um filme muito emocional.
O roteiro escrito pelo próprio diretor em parceria com o roteirista Carl Joos é baseado em uma peça de teatro, escrita por Johan Heldenbergh e Mieke Dobbels. Didier (Jonah Heldenbergh) é músico de uma banda de bluegrass, música popular americana dos anos 40, é a raiz do country que valoriza o bandolim, o banjo, o violino, além dos vocais harmônicos, grande influência da música negra. Dentre os principais artistas está Bill Monroe, do qual Didier adora. Os EUA para Didier é o lugar perfeito, onde os sonhos podem ser realizados. Com um estilo cowboy, barba e cabelos compridos, mora num trailer dentro de um rancho em que herdou da família. A tatuadora Elise (Veerle Baetens) arrebata o coração deste homem, e não demora muito para que se casem. De início Didier ficou incomodado com a rapidez que tudo aconteceu, a gravidez de Elise o pegou de surpresa, mas ele acaba reformando a casa e o que vemos é uma linda família rodeada de bons amigos e música boa.
Com ótimos diálogos o filme não segue uma linha contínua, o que dá um grande diferencial e nos faz prestar mais atenção, e por conseguinte ficar mais envolvidos com a história. Tudo muda na vida desse casal quando a filha de seis anos, Maybelle, fica doente, muitos questionamentos surgem em relação a eles e a vida. As cenas no hospital são imensamente tristes, ter de lidar com uma doença tão ingrata na idade de Maybelle destrói qualquer um. A alternância de tempo faz com que amenize um pouco o drama.
A influência da cultura norte-americana é muito forte, tudo remete a isto, desde o cenário, o figurino, e claro, a trilha sonora. O estilo fragmentado permite que tudo o que está sendo apresentado tenha igual importância, em nenhum momento o romance ou a doença se sobressai mais que ou outro. Interessante porque a música country está associada ao conservadorismo e tem bastante fundo religioso, e Didier é completamente descrente. A cena em que a filha pega o pássaro morto e pergunta para onde ele vai, Didier se recusa a dar qualquer explicação que sirva de alento, pois irá contra a sua forma de pensar. Para ele depois da morte só existe a escuridão. Não há nada de "virou uma estrelinha".
A desconstrução da ideia que ele faz dos EUA acontece quando assiste na TV que a religião barra as pesquisas das células tronco. Também há uma cena em que Bush faz um discurso sobre o terror do 11 de setembro, isto tudo culmina numa revolta muito grande após sua filha morrer, e ele despeja palavras encima de palavras num show para que todos ouçam que acreditar em religião é atraso de vida. Em dado momento Elise diz: "Ninguém pode ser tão feliz. A vida não é assim." Pois é, quando a vida parecer colorida demais pode apostar que algo ruim vai acontecer, perfeição não existe, a vida não dá respiro. Após a morte da filha os dois não conseguem mais se encontrar, e por mais que eles queiram as circunstâncias e os pensamentos díspares não deixam.
Didier sabe que Elise acredita que Maybelle é o pássaro que visita a varanda de vez em quando, e depois de uma briga ela decide ir embora e então é aí que tudo se quebra de vez. Elise muda o nome para Alabama e seu controle emocional não sustenta os ataques descrentes de Didier. O filme não pende pro lado de que se deve crer em algo, mas a verdade é que as pessoas ficam frágeis quando perdem alguém, principalmente da forma como Elise perdeu Maybelle, acreditar é como uma necessidade, um acalento, uma forma de ter paz no coração. E o final nos mostra o quanto é perigoso destruir o meio de defesa das pessoas. É um filme triste que chega a doer, me surpreendeu imensamente, não esperava que teria tantos questionamentos embutidos. Além de que a trilha sonora é algo que soma bastante para que o filme não se torne tão trágico, ela emociona e dá força. A música vibra!
"Esta pequena estrela é, na verdade, um sol. Um sol que está muito, muito longe. Sua luz tem que viajar um longo caminho, por um longo tempo, para alcançar teus olhos. Então, é possível que essa pequena estrela já tenha desaparecido antes que a sua luz chegue aqui. É quando você vê algo que não está mais lá. Só que isso não importa, porque a luz dessa pequena estrela continua viajando para além dos seus olhos. Sempre mais. E essa pequena estrela vai existir para sempre. Para todo o sempre." Esse trecho em que Didier conversa com Maybelle no hospital é um dos mais lindos do filme. Há muito para se dizer sobre, cada cena, cada diálogo, mas assistam, pois é a melhor maneira de entender a dimensão deste excelente drama.
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